sábado, 18 de abril de 2020

A PAIXÃO DA ADOLESCÊNCIA

(Imagem: Ester Delmiro)


Na minha adolescência
Na fazenda onde eu morava
Uma mocinha por lá
De vez em quando chegava
O dia olhando pra ela
Se eu pudesse ficava.


Toda vez que ela passava
Eu parava pra olhá-la,
Ela entrou no meu peito
Rápida, como uma bala,
Descobri que a amava
E queria namorá-la.


Sonhando um dia beijá-la
Somente nela a pensar,
Me declarei numa carta
Que alguém foi lhe entregar.
Na carta eu também pedia
Pra com ela namorar.


Ela chegou respostar
E um encontro marcou.
No encontro ela sorriu
E o namoro aceitou.
Depois me deu um abraço
E minha boca beijou.


Nesse dia começou
O namoro meu com ela.
Toda semana no campo
Olhando a paisagem bela
A gente se encontrava
Numa antiga cancela.


Eu era gamado nela,
Com muita intensidade.
Sonhava até me casar
Na igreja da cidade
E lá naquela fazenda
Viver com tranquilidade.


Com muita felicidade
Eu beijava a pequenina,
Cheirava os seus cabelos
Dizendo: - Minha menina,
Vou me casar com você
Porque você me fascina.


Um dia fui encontrá-la
Como um louco sonhador,
E ela naquele dia
Destruiu o meu amor
Acabou nosso namoro
Me deixando só a dor.


Pelo filho do doutor
Acabei sendo trocado.
O meu amor virou ódio
Sofri como um condenado,
Planejei uma vingança
Com o peito apunhalado.


Só o sangue derramado
Curava minha ferida.
O tempo foi se passando
E na minha recaída
Percebi que se matasse
Também perderia a vida.


Deixei pra lá a fingida
E procurei outras flores
Deixei aquela fazenda
Com seus terríveis ardores
Caí no meio do mundo
E busquei outros amores.


Depois de ver muitas cores
Fui rever a minha tenda.
Voltei pra onde cresci
E ao chegar na fazenda,
Quando passei na porteira
Lembrei logo aquela prenda.


Cicero Manoel
Residencial Jussara, Santana do mundaú – AL
18 de abril de 2020

NA FILA DO CAIXA

(Cícero Manoel)


Bem cedo saí de casa
Com um boleto na mão
E fui pagá-lo no caixa,
Lá perto da estação.
Ao chegar, vi uma fila
Que dobrava o quarteirão.


Sem obedecer as regras
Que o cartaz alertava,
Na porta, uma multidão,
Ali, se aglomerava,
Máscara quase ninguém,
Naquela hora usava.


Quando me aproximei,
Uma senhora na frente:
Ao ver a máscara minha,
Olhou-me indiferente
E se afastou achando
Que eu estava doente.


Fiquei ali no meu canto
Afastado dos demais,
E ali naquela fila
No que se falava mais,
Era no famoso auxílio:
O de seiscentos reais.


Então, pude perceber
Naquele povo faceiro,
Que alguns estão focados
Mais em receber dinheiro
Do que proteger a vida
Nesse tempo traiçoeiro.


Ouvi um homem dizer
Se expressando muito mal:
“Minha gente, esse corona,
Só tem lá na capital,
Ele não chega aqui não,
É assombro do jornal!”


Um bêbado rebateu
Pra completar a desgraça:
“Corona não me faz medo,
Se ele chegar na praça,
Eu pego ele de mão
E engulo com cachaça!”.


Uma crente abriu a boca
E disse assim com fervor:
“Essa doença não vem
Para o nosso interior,
Porque estamos blindados
Com o poder do Senhor!”


Com Seiscentos no seu bolso
Disse um pobre em alto tom:
“Não votei no presidente,
Achei que não tinha dom.
Mas depois dessa ajuda...
Eita, presidente bom!”


Quando paguei meu boleto
Voltei pra casa apressado.
Pensando naquela gente,
Bastante preocupado.
Triste do pobre inocente
Que vive desinformado.


Residencial Jussara, Santana do Mundaú-AL

17 de abril de 2020

terça-feira, 14 de abril de 2020

RELATO DE UM INFECTADO

(Foto: Thiago Aquino)



Segunda-feira à tarde
No auge pandemia,
Resolvi sair de casa,
Fui até a padaria
E lá eu vi uma moça
Que alegrou o meu dia.


Terça-feira de manhã
Fui até o mercadinho.
Lá eu vi a mesma moça
Empurrando um carrinho.
Ela me deu um sorriso
Que eu fiquei caidinho. 


Quarta-feira outra vez
Saí para comprar pão.
Topei a moça de novo
E naquela ocasião,
Sabendo que não podia,
Apertei a sua mão.


Quinta-feira meio dia
Fui na farmácia urgente.
E quando eu ia saindo
Vi a moça em minha frente,
E sem temer o Corona
Dei-lhe um abraço envolvente.


Sexta-feira bem cedinho
Fui dar uma caminhada.
Encontrei de novo a moça
E não perguntei mais nada.
Dei nela um beijo na boca
Numa rua abandonada.


Sábado preso em casa
Era meu pior castigo.
Eu fiz uma ligação
E sem temer o perigo,
Deixei que a moça viesse
Passar a noite comigo.


Domingo pela manhã
Acordei adoentado.
O contato com a moça
Me deixou infectado.
Com o vírus da paixão
Vou morrer apaixonado.


Cícero Manoel

Residencial Jussara, Santana do Mundaú-AL
14 de abril de 2020

quinta-feira, 2 de abril de 2020

MINHA TEREZA

(Imagem: Ney Silva)


Já fui a muitos lugares,
Nadei contra a correnteza,
Viajei por sete mares
Enfrentando a natureza,
Para ver se eu avistava,
Outra vez, minha Tereza.


Fui aos reinos mais distantes
Procurando essa princesa.
Cavalguei por muitos anos
Perdido na incerteza,
Ainda sentindo o cheiro
Dos cabelos de Tereza.


Como não a encontrava
Eu abracei a tristeza,
Joguei tudo pelos ares
E mergulhei na pobreza,
Sonhando todas as noites
Com os olhos de Tereza.


Desenganado da vida
Longe da minha riqueza,
Enlouqueci pelos vales
Num momento de fraqueza.
A toda hora eu pensava
No rostinho de Tereza.


Caí na escuridão
Sujei-me na impureza.
Dormi com os infelizes
Distante da realeza,
Buscando me abrigar
No corpinho de Tereza.


Com minha alma sangrando
E minha alegria presa,
Meu mundo se destruiu
E perdeu sua beleza.
Só porque eu nunca mais
Veria minha Tereza.


Cícero Manoel
Sítio Ilha Grande, Santana do Mundaú-AL
2 de abril de 2020