quarta-feira, 17 de abril de 2019

O ELEITOR QUE VOTOU POR UM PAR DE BOTAS



(Cícero Manoel)

Neste cordel vou contar
Pra toda a população,
O que chegou se passar
Num tempo de eleição.
Na cidade dos maus tratos
Surgiram dois candidatos
Brigando pelo poder,
Mentindo e enganando
Pelas ruas abraçando
Quem não tinha o que comer.

Os candidatos, leitor,
Vou descrevê-los fiel.
Um se chamava Doutor
E o outro Coronel.
Nessa eleição pra prefeito
Compraram voto de eito
Até por quinze reais.
Deram telha, dentadura,
Pano pra fazer costura,
Pote e botijão de gás.

Na Rua do Cururu
Morava Mané Pilão,
Natural de Mundaú,
Um honesto cidadão.
Esposo de Mariquinha,
Pai da moça Terezinha
De quinze anos de idade.
Um homem muito decente,
Trabalhava de servente
Naquela humilde cidade.

A eleição caminhava
Numa bagunça do Cão,
Mané indeciso estava
Com um mês de eleição,
Mas o tempo foi passando
Depois Mané foi gostando
Do que o Doutor dizia,
Esse certo candidato
Falava tudo exato
Do jeito que ele queria.

Um dia Mané falou:
— Ele é o meu prefeito!
Seu adesivo botou
Colado em cima do peito,
Passou a ir animado
Nos comícios do danado
Se fazendo de palhaço,
Dele só ganhou então,
Somente aperto de mão
Tapa nas costas e abraço.

Mané um dia saiu,
Foi com o Doutor falar.
Pediu-lhe um par de botas
Pra no dia a dia usar.
O candidato pensou
E no momento falou
Sentado numa cadeira:
— Olhe, meu grande amigo,
Venha aqui falar comigo
Na próxima Quarta-feira!

Na Quarta-feira animado
Mané foi lhe procurar,
E na casa do danado
Lhe esperou pra conversar.
Mas lhe disse uma mulher:
— Amigo o que você quer?
O candidato saiu!
O pobre se retirou,
No outro dia voltou
E a mesma coisa ouviu.

Na casa do candidato
Mané Pilão não foi mais,
O adesivo no mato
Jogou e disse: — Caifás!
Condenado! Beste fera!
Perdeu meu voto “Misera”!
Covarde!  Filho do Cão!
No bater de uma pestana
Chegou então a semana
Do dia da eleição.

Mané alisava um gato
Na sua porta sentado,
Quando o outro candidato
Apareceu animado.
A sua mão apertou,
Na casa dele entrou,
Bebeu café e sorriu.
Depois em um reservado
O par de botas sonhado
Mané então lhe pediu.

O candidato falou:
— Eu vou lhe dar companheiro!
Um assistente chamou,
Mandou ele ir ligeiro
Até a Loja Pelotas
Comprar logo o par de botas
Pra dar a Mané Pilão.
Quinze minutos nem deu
E o moço apareceu
Com o par de botas na mão.

Mané Pilão animado
Pegou as botas calçou
Lhe disse: — Muito obrigado!
Meu voto o senhor ganhou!
O candidato então,
Pegou-lhe outra vez na mão
Cheio de felicidade,
E chegou a lhe dizer:
— Vote em mim que eu vou fazer
Muito por essa cidade.

No dia da votação
Mané Pilão se acordou,
Cheio de satisfação
As botas logo calçou,
Na Escola Dom Rafael
Confirmou no Coronel
Com prazer dentro do peito.
Quando veio o resultado
O Doutor foi derrotado
E o Coronel foi eleito.

Mané Pilão ao saber
Deu um pulo de alegria,
E disse cheio de prazer
Pra velha Dona Maria:
— Sei que não votei errado,
Ele é um homem honrado
E muito vai trabalhar!
Com prazer eu votei nele,
Tenho certeza que ele
O povo vai ajudar!

Um dia a sua casinha
Mané pegou reformar,
E o cimento não tinha,
Pois precisava comprar.
Aí falou satisfeito:
— Vou falar com o prefeito
Faço isso num momento!
Ligeiro o procurou
E quando o encontrou
Pediu então o cimento.

Sínico como o Capeta
O homem chegou falar:
— Mané a coisa está preta
Não posso lhe ajudar.
Quando as botas eu lhe dei
O seu voto eu comprei
Naquela ocasião.
Posso lhe dar o cimento,
Mas só em outro momento,
Na próxima eleição.

Pra casa Mané voltou
Xingando o condenado,
Em casa as botas queimou
Com raiva do desgraçado.
Na mão do peste comeu,
Por quatro anos sofreu
Sem saúde e educação.
Por coisas materiais
Seu voto não trocou mais
E aprendeu a lição.

(Santana do Mundaú-AL, 4 de março de 2016)