quarta-feira, 19 de março de 2014

A FILHA DE SEU CHICO



Sou um caboclo da roça
Dentro dela me criei,
Pois aqui onde eu vivo
Sem querer me atrapalhei,
Pela filha de Seu Chico
Um dia me apaixonei.

Era uma Cabocla bela
Do cabelo cacheado,
Tem um olhar tão bonito
Que me deixa abestado,
Um corpo de violão
E um lindo rebolado.

Depois que me apaixonei
Eu só ficava sonhando,
Pegando a mãozinha dela
Ou mesmo até lhe beijando,
Eu passei mais de um mês
Somente nela pensando.

Até que eu decidi
Ir pedi-la em casamento,
Fui à casa de Seu Chico
E lá em certo momento
Tratei o caso com ele
Com muito contentamento.

Seu Chico quando me ouviu
Mesmo assim chegou falar:
A mão dela já é sua!
Ela com tu vai casar,
Olhe eu tenho certeza
Que ela vai aceitar!

Você é um bom rapaz,
É muito trabalhador,
Vai cuidar muito bem dela
Vai trata-la como flor,
Porque você gosta dela
E por ela tem amor.

Seu Chico ao dizer isso
Foi lá dentro e lhe chamou,
Na frente de sua casa
O caso ele lhe tratou
E quando ela lhe ouviu
Com muita raiva ficou.

Ele perguntou se ela
O namoro aceitava,
Mas ela disse que não
Disse que outro amava,
Também disse que comigo
Nem morta ela se casava.

Disse que não me queria
Porque não me tinha amor,
Disse também que por mim
Somente sentia horror
E disse que era louca
Pelo filho do Doutor.

Aí não ouvi mais nada
Dali eu me retirei,
Seu Chico se desculpou
Na sua mão eu peguei,
Deixei o terreiro deles
E lá nunca mais pisei.

Fui pra casa amargurado
Chorei que só a desgraça,
Pra sufocar minha dor
Me afoguei na cachaça,
E pensei até pega-la
E fazer uma arruaça.

Mas cheguei me controlar
O tempo assim foi passando,
Com o filho do doutor
Hoje ela está namorando,
E eu sofrendo por ela
Ainda sigo lhe amando.

Cicero Manoel cordelista
Santana do Mundaú - AL
19 de Março de 2014






EM VEZ DE FESTA, PAU E CADEIA.


Amigo nunca fui ruim
Eu me chamo Juvenal,
Na minha adolescência
Fui um sujeito legal,
Só que eu era preguiçoso
E nunca ganhei um real.

Hoje meus sessenta anos
Eu já cheguei completar
Nessa vida muitas vezes
Cheguei me aventurar
E aqui vou contar uma
Pela qual cheguei passar.

Nas bandas de Mundaú
Ia haver um festão
Mas deixa que eu estava liso
Mas liso igual sabão
Mas eu queria ir à festa
Para ver a diversão.

Foi aí que tive uma
Ideia de maloqueiro
Pensei roubar uma coisa
Para arrumar dinheiro
Fiquei pensando um pouquinho
Depois eu saí ligeiro.

Pra casa de Dona Chica
Eu fui na ocasião
No aceiro do terreiro
Eu fiquei de prontidão
Aí vi lá no terreiro
Passar um peru gordão.

Aproximei-me do bicho
Um grande bote eu dei
Peguei na canela dele
Com ele me agarrei
E do terreiro da velha
Correndo me ausentei.

Roubei aquele peru
Saí com ele agarrado
Amarrei os pés do bicho
E andei muito apressado
Aí pensei: “onde é
Que vou vender o danado?”

Passei as terras de Zezo
E a Fazenda Jaú,
Com uma hora cheguei
Na feira de Mundaú
Me sentei numa calçada
E ofertei o Peru.

Passei mais de duas horas
Naquele grande calor
Ofertando o peru
Pra senhora e pra senhor
Mas durante as duas horas
Não me chegou comprador.

E com o peru de lado
Eu estava doido a gritar:
Quem quer comprar um peru
Queira se aproximar!
Ele tá gordo e bonito
Dez quilos chegar a pesar!

Um tempo chegou passar
Um homem apareceu
Eu falei: venha amigo
Venha ver o peru meu
É só sessenta reais
Por cinquenta ele é seu!

O homem chegou pra perto
E então me perguntou:
- Meu amigo esse peru
Onde você o comprou?
Respondi: - esse peru
Foi minha mãe quem criou!

Nesse momento o homem
Inchou como um cururu
E deu um grito danado
Na feira de Mundaú
Gritou :- mãe venha aqui
Olha se esse é seu peru!

Amigo naquela hora
Eu cheguei amarelar
Pensei em fazer carreira
Mas cheguei paralisar
A mãe do homem chegou
E o peru veio olhar.

Nessa hora eu rezei
Mas Jesus não me ouviu
Fiquei tremendo quietinho
Na hora não dei um piu
Disse a velha: Meu peru
Lá de casa se sumiu!

Disse ainda: meu peru
É igual a esse seu
No coro de meu peru
Tá gravado o nome meu
Gravei cum espeto quente
Quando o danado cresceu.

Nesse momento a velha
Com o peru se agarrou,
Debaixo da asa dele
A velhinha despenou,
Tinha um nome gravado
E ela pra mim falou:

- Esse peru é o meu!
Lá de casa foi roubado,
Rapaz você é ladrão,
Cabra você tá lascado!
Aí o filho da velha
Me olhou muito enraivado.

Então eu olhei de lado
E tentei fazer carreira,
Na hora o filho da velha
E me deu uma rasteira,
Me estendi no meio da rua
Chega subiu a poeira.

A velha pegou o peru
E gritou: Pega ladrão!
Nessa hora levei soco
Pontapé e muxicão
Amigo eu apanhei tanto
Que desmaiei lá no chão.

Aquele filho da velha
Naquela ocasião
Me deu um murro tão grande
Em cima do meu pulmão
Que eu fiquei sem respirar
Desmaiado lá no chão.

A velha naquela hora
Tirou o sapato seu
Chegou na minha cabeça
Com o sapato bateu
E se não bastasse isso
Um croque ainda me deu.

A polícia foi chamada
O meu roubo foi contado,
Um soldado me pegou,
Pra cadeia fui levado
E quando eu cheguei lá
O cacete foi dobrado.

Passei duas noites preso
Por ter feito coisa feia,
Em vez de eu ir pra festa
Fui parar lá na cadeia
Mas serviu, pois nunca mais
Fui pegar em coisa alheia.

Cicero Manoel
Santana do Mundaú - AL
15 de Março de 2014

quinta-feira, 13 de março de 2014

SAUDADES DE HELOÍSA

(Cícero Manoel)


(Foto: Larissa Mirella)


Heloísa que saudade
Daquele cheirinho seu,
Eu duvido que alguém
Te amou mais do que eu,
Fostes o maior presente
Que Nosso Senhor me deu.

Heloísa toda noite
Eu pego meu violão,
Me sento aqui na varanda
E canto aquela canção
Que embalou nosso romance
E marcou nossa paixão.

Heloísa és aquela
Pessoa que mais amei,
Ha pouco olhando a lua
Um bom tempo relembrei,
Os beijos deliciosos
Que em sua boca dei.

Heloísa aqui eu penso
Em tudo que nós vivemos,
Heloísa aqui relembro
Os sonhos que nós fizemos
E as palavras bonitas
Que um ao outro dissemos.

Heloísa não deu tempo
Com você eu me casar,
Você partiu muito cedo,
Noutro mundo foi morar,
Sabendo que estás no céu
Pra sempre vou te amar.

Heloísa aqui na terra
Gozemos pouco da vida,
Hoje eu sinto no peito
Uma saudade doída,
Um amor que permanece
Mas que já virou ferida.


Sítio Ilha Grande, Santana do Mundaú – AL
6 de março de 2014

terça-feira, 4 de março de 2014

ANALFABETO É CEGO

(Xilogravura: Cícero Manoel)
  
Amigo, eu sou um caboclo,
Eu nunca fui estudado,
Não sei assinar meu nome
Minha escola é roçado,
Mas sei que o analfabeto
É um cego desastrado.

Um dia eu fui à cidade
Para um pouco passear,
Dentro da rodoviária
Cheguei a amarelar,
Me deu uma dor no bucho
Com vontade de cagar.

Minha barriga enrolava
Numa enorme agonia,
Amigo, digo a você,
Eu sofri naquele dia,
Estava já me cagando
Quando encontrei um vigia.

Aí perguntei a ele
Onde tinha um banheiro,
Ele amostrou-me onde,
Eu saí todo cabreiro,
Lá dentro vi duas portas
Cada uma cum letreiro.

Sem saber ler os letreiros
Uma porta eu empurrei,
A porta bateu no canto
Na hora me assustei
Uma marmota do Cão
Naquela hora avistei.

Na bacia do banheiro
Tinha uma velha assentada,
A velha estava vermelha
Se espremendo aperreada,
Amigo, naquela hora,
Senti a calça cagada.

Amigo, caguei nas calças
Que ficou um bolo atrás,
Aí, a velha gritou:
“Feche essa porta rapaz!
Nesse Brasil não podemos
Nem mesmo cagar em paz!”

A velha ainda me disse:
“Homem vá pro outro lado!
Seu banheiro é à esquerda
Que matuto atrapalhado,
Repare o nome que está
Aí, na porta gravado!”

Fiz meu serviço nas calças
Por que não sabia ler,
Quase morri de vergonha
Aquilo eu quero esquecer,
Daqui pra frente, as letras
Estou querendo aprender.

Caboclo eu tô querendo
Aprender a soletrar,
Sabendo ler os letreiros
Vergonha não vou passar,
E no banheiro das donas,
Nunca mais eu vou entrar.

Cícero Manoel
Sítio Ilha Grande, Santana do Mundaú-AL
23 de julho de 2009