quarta-feira, 27 de novembro de 2019

ANALFABETO É CEGO (Versão matuta)

Dotô, eu sô um cabôco,
eu nunca fui estudado.
Num sei assiná meu nome,
minha escola é o roçado,
mai sei que o abafabeto
é um cego desastrado.

Eu fui inté a cidade
pra um pôco passeá.
Dento da rodoviara
eu cheguei amarelá
mim deu uma dô no bucho
cum vontade de cagá.

Minha barriga inrolava
numa enorme agonia.
Dotô eu digo o sinhô,
eu sofri naquele dia.
Eu tava já me cagando
quando incontrei um vigia. 

Aí, preguntei a ele
adonde tinha um banhêro.
Ele amostrou adonde,
eu saí todo cabrêro,
lá dento eu vi duas porta
cada uma cum letrêro.

Sem sabê lê os letrêro
uma porta eu impurrei.
A porta bateu no canto,
na hora mim assustei,
uma maimota do cão
naquela hora avistei.

Na bacia do banhêro
tinha uma veia assentada.
A veia tava vermeia,
s'espremendo aperriada,
dotô naquele momento
sinti a caça cagada.

Dotô, eu caguei na caça
que ficô o bolo atrai.
aí, a veia gritô: 
"Feche essa porta rapai,
até pra gente cagá
atrapaia o Satanai.

A veia ainda me disse:
"Home vá pro ôtro lado!
Seu banhêro é da esquerda...
Que matuto atrapaiado...
Repare o nome que tá,
aí, na porta gravado!"

Fi meu sirviço nas caça
pro que num sabia lê.
Quase morri de veigonha,
o caso eu quero isquecê,
mai dispois daquele dia
as letra quero aprendê.

Tô querendo aprendê lê
e o meu nome assiná,
sabendo lê os letrêro,
veigonha num vô passá,
e no banhêro das dona
nunca mai eu vô entrá. 

(Cícero Manoel) 

terça-feira, 12 de novembro de 2019

SERRA DA BARRIGA - CENTRO DO QUILOMBO DOS PALMARES




No vale do Mundaú,
Região que me abriga,
Eu busco inspiração
Perdido numa fadiga,
Para fazer um cordel
Sobre a Serra da Barriga.

Nossa Serra da Barriga
Esse lugar altaneiro,
Desde o ano Oitenta e Seis
Tornou-se no mundo inteiro,
Patrimônio cultural
Desse solo brasileiro.

Em Dois Mil e Dezessete
A Serra mais se elevou,
Seu título de patrimônio
Um grau mais alto alcançou,
Patrimônio cultural
Do Mercosul se tornou.

Em meio à zona da mata
Do estado de Alagoas,
Em União dos Palmares,
Em terras férteis e boas,
Fica situada a Serra
Visível para as pessoas.

A Serra abrange uma área
De aproximadamente,
Uns 28 quilômetros
Quadrados, perfeitamente,
Com terrenos cristalinos
E clima úmido e quente.

Também fica no planalto
Meridional da Borborema,
Essa serra tão famosa
Pra quem Jorge fez poema
E sobre a qual li num livro
Sua história e seu dilema.

Para entender o porquê
Da Serra ser tão querida
E nesse mundo inteiro
Ser bastante conhecida,
É preciso na história
A gente fazer partida.

No século XVII
Nesse ponto do Brasil
O Quilombo dos Palmares
Por décadas existiu,
Um centro de resistência
Como ele nunca se viu.

Das senzalas dos engenhos
Quando um escravo fugia,
Seguindo os rastros nas matas
Para Palmares corria,
Lá ele ganhava terras
Apoio e moradia.

Por inúmeros mocambos
Palmares era formado,
Mas o centro principal
Desse reino encantado,
Era a Serra da Barriga
Lugar privilegiado.

Naqueles tempos de luta
A história assim se deu,
O mocambo de Macaco
Na Serra se estendeu
E o centro de Palmares
Nessa se estabeleceu.

Quase trinta mil pessoas
O Quilombo abrigava,
Lá na Serra da Barriga
Ficava quem liderava
Aquele que no Quilombo
Soberano governava.

Dos líderes do Quilombo
O último foi Zumbi
Que nasceu naquela serra
Mas não se criou ali,
Voltando com quinze anos
Tornando-se rei dali.

Lá na Serra da Barriga
Sua terra tão amada,
Zumbi travou uma luta
Entre a flecha e a espada
Guerreando contra os brancos
Numa batalha armada.

Nessa luta contra os brancos
Palmares enfraqueceu,
Lá na Serra da Barriga
Rio de sangue escorreu,
Zumbi para não morrer
Fugiu e se escondeu.

Nessa batalha sangrenta
Num conflito estendido,
No ano Noventa e Quatro,
Macaco foi destruído
Por Domingos Jorge Velho,
Bandeirante conhecido.

Tempo depois noutra serra
Zumbi foi capturado,
No ano noventa e cinco
Terminou assassinado,
Dia vinte de novembro
Teve o pescoço cortado.

A data de sua morte
Pra sempre ficou marcada.
Nessa data memorável
Onde a luta foi cessada,
Nossa Consciência Negra
Todo ano é celebrada.

A Serra hoje é um ponto
De grande visitação,
Vem gente de todo o mundo
À cidade de União,
Para visitar a Serra
Símbolo de libertação.

Numa altitude de quase
Quinhentos metros de altura,
O povo que vai a Serra
Vibra na beleza pura,
Conhece a sua história
Seu povo e sua cultura.

Lá na Serra tem mirantes
Pra apreciar a paisagem,
Palmeiras em quantidade
Com uma linda folhagem
E um percurso acessível
Pra ajudar na viagem.

Você encontra cabanas
Representando alguns lares,
Usando a arquitetura
Do Quilombo dos Palmares
Além de peças de barro
De tecido e de colares.

As coisas da Serra deixam
Os turistas encantados,
Como a Lagoa dos Negros,
Um dos lugares sagrados,
Onde muitos rituais
Já foram realizados.

Planeje sua viagem
Para visitar a Serra,
Onde o espírito de Zumbi
E dos seus irmãos de guerra
Repousam eternamente
No pó suave da terra.

(Cícero Manoel / Santana do Mundaú-AL / 23 de outubro de 2019)

domingo, 29 de setembro de 2019

UMA PRIMA PRA CASAR


(Cícero Manoel)
 

Vovô casou c’uma prima,
De anos viveu uns cem.
Pai também casou com uma
Na cidade de Belém
E eu jurei que casava
Com uma prima também.

Com quinze anos beijei
A minha prima Luzia,
Que era da minha idade,
Me amava e me queria.
Mas ela morreu de febre,
Assim da noite pro dia.

Então, eu falei namoro
Com minha prima Isabela,
Comprei uma aliança
E botei no dedo dela.
Um dia um caminhoneiro
Passou e carregou ela.

Minha prima Elenita
Eu comecei paquerar,
Quando fui falar namoro
Ele veio me contar
Que tava prenha de João
Filho de seu Ribamar.

Falei namoro à Helena,
Prima do meu coração,
Era a prima mais bonita
Que eu tinha na região.
Helena disse: “Eu não quero.
Você é como um irmão”.

Então as primas que eu tinha
Foram todas se casando.
Aos poucos, uma a uma,
Os cabras foram levando,
E eu doido atrás de uma
Ficava somente olhando.

A última que levaram
Foi Maria Currutelo,
Fiquei só chupando dedo
No meu cantinho singelo,
Já fiz quarenta e três anos
E ainda sou donzelo.

Outro dia me trouxeram
Uma mulher lá de cima
Era até engraçada,
Seu nome era Júlia Lima,
Mas despachei a danada,
Pois não era minha prima.

Quando eu achar uma prima
Encontro a felicidade,
Das primas que carregaram
Eu não sinto nem saudade,
Pois nenhuma delas quis
Tirar minha virgindade.

Peço encarecidamente
Se você for meu amigo,
Procure uma prima minha
Para se casar comigo...
Não precisa ser bonita,
Foi prima, acaba o castigo.

Nem que eu morra solteiro,
Velhinho numa casinha,
Mas não quebro minha jura
Que eu fiz quando criancinha.
Só caso um dia na vida
Se for c’uma prima minha.

Para tudo tem o dia,
Esse dia vai chegar.
Deus sabe todas as coisas
E ele vai me amparar
Há de mandar uma prima
Pra comigo se casar.

(Residencial Jussara, Santana do Mundaú – AL, 29 de setembro de 2019)

quarta-feira, 7 de agosto de 2019

LIVRO: RIMAS DO MUNDAÚ


O livro Rimas do Mundaú é uma antologia de poesia popular, organizada e também escrita por Cícero Manoel, poeta radicado em Alagoas.  A obra foi publicada pela EDUNEAL em 2018 e teve as orelhas escritas por Jairo José Campos da Costa, ex-reitor da Universidade Estadual de Alagoas - UNEAL. 

O livro está dividido em três partes: cordel, repente e toada. Cada uma dessas partes é introduzida com um pequeno estudo teórico sobre elas. 

A obra reúne 16 poetas populares do Vale do Mundaú (Região da Zona da Mata alagoana cortada pelo Rio Mundaú). Os poetas estão divididos em cordelistas (aqueles que escrevem cordéis), repentistas (os que fazem repente) e aboiadores (os que improvisam aboios e cantam toadas). Esses poetas estão distribuídos entre as três partes que completam a obra. 

São eles:

CORDEL

Ednaldo Alves
José Amauri Clemente
Gilmar da Pindoba
Madalena Feitosa
Melqui Zedeque
Rizomar Ferreira
Ricardo Gonçalves
Rosana Oliveira
Edmilson Soares
Waldemar Matias

REPENTE

Everaldo Caetano
Antônio Henrique
Lourinho

TOADA

Arany do Gado
Edpaulo Aboiador
Luiz Honorato

O livro foi lançado pela primeira vez em 14 de setembro de 2018 na "Erva Doce, Doce Erva" em Maceió-AL e contou com a presença do poeta Gilmar da Pindoba, além de amantes da poesia, amigos e familiares dos participantes da obra. 

Em 6 de outubro do mesmo ano aconteceu um segundo lançamento da obra, desta vez no auditório do Campus V da Universidade Estadual de Alagoas - UNEAL em União dos Palmares-AL, com a participação dos poetas Everaldo Caetano, Antônio Henrique, Gilmar da Pindoba e Rosana Oliveira, além da presidente do conselho editorial da Eduneal, Sanadia Gama dos Santos e dos professores e estudantes do campus. 

A obra foi publicada com o apoio cultural da Universidade Estadual de Alagoas - UNEAL, onde Cícero Manoel cursa Letras-Vernáculas. Nos lançamentos durante suas falas este destacou a importância da UNEAL na sua vida e na publicação de Rimas do Mundaú.



(Manoel Alves)




segunda-feira, 29 de julho de 2019

ADEUS À MARIQUINHA




Maria José de Oliveira
* 1960
+ 2019


Alagoas se despede
Nesse início de semana,
Da famosa Mariquinha,
Cordelista alagoana,
Que parte pra outra vida,
Porque a morte é insana.

Morre Maria José
De sobrenome Oliveira,
Uma grande alagoana,
No cordel uma guerreira,
Poetisa popular
Glosadora de primeira.

Mariquinha dedicou
Sua vida ao cordel,
Na terra ela colocou
Suas rimas no papel
E agora foi chamada
Pra fazer cordel no céu.

Seus amigos cordelistas
Lamentam a sua morte.
Daqui eu peço a Deus
Que a família conforte.
Mariquinha não morreu
Seu nome está vivo e forte.

Parte uma cordelista
Que escrevia o que via,
Que lutou pelo cordel
Toda noite e todo dia
E vai deixando o seu nome
No mundo da poesia.

Lutemos pelo cordel
Como fez nossa amiguinha.
Vamos levar o cordel
Para toda criancinha,
Pode ser que dessa forma
Nasça outra Mariquinha.

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Cícero Manoel
29 de julho de 2019